domingo, 17 de abril de 2011

A Rua Grita Dionísio!

Trabalhar com o ensino do Direito não é tarefa fácil. As escolas de Direito, para além de um espaço de poder, são fomentadoras privilegiadas de construção de identidades artificiais, de discursos diferenciadores, de saberes surdos.



Por isso é muito pertinente o diagnóstico de Warat: "O racionalismo não é somente uma epidemia da razão jurídica. Como forma ideológica da razão este ismo não é só um mal das práticas e dos processos de conhecimento do Direito. Ele contamina todos os ofícios e saberes derivados da razão tecno-instrumental. Contamina todo o corpo social. O seu maior sintoma se manifesta como perda da sensibilidade, em mim, no meu vínculo com os outros e no modo de perceber o mundo, na frieza da ficção de verdade e na fuga alienante que proporciona às abstrações e os anseios modernos de universalidade que não nos deixam perceber o que a rua grita, como mostra esse velho filme de Emrique Muinõ e Angel Maganã, de 1948: A rua grita. A rua grita e não é escutada pelos juízes, advogados, teóricos do Direito, professores, médicos, políticos, etc., instituições onde o clamor da rua não chega bloqueada pela razão técnico-instrumental. Tomemos como exemplo uma instituição: as clínicas de assistência psicológica. Nelas, da mesma forma que na magistratura, predominam as normas sobre as pessoas. Um psiquiatra, em uma clínica, em quase todos os casos, aplica as regras sem considerar as necessidades e as particularidades de cada paciente".


WARAT, Luis Alberto. A Rua Grita Dionísio! Direitos Humanos da Alteridade, Surrealismo e Cartografia. Rio de Janeiro: Lumen Juris Editora, 2010, p. 53.

Um comentário:

Rafael A. F. Zanatta disse...

Demais essa passagem! Incrível como as ideias de Luis Alberto Warat são relativamente semelhantes com as de Edgar Morin, especialmente na crítica da razão instrumental (Temos de buscar um para além das Luzes. Quando digo “superar”, refiro-me ao sentido hegeliano de aufheben, que significa integrar aquilo que é superado, integrar aquilo que existe de válido no progresso, mas com algo mais. O que é esse para além do Iluminismo? Significa, antes de tudo, que se deve superar, reexaminado-a, a razão como racionalidade abstrata; superar o primado do calculismo e da lógica abstrata. Devemos livrar-nos da razão fragmentada, tomar consciência das doenças da razão, superar a razão instrumental de que fala Adorno, a serviço das piores influências assassinas. Temos até mesmo de superar a idéia de razão pura, pois não existe razão pura, não há racionalidade sem afetividade. Precisamos de uma dialógica entre racionalidade e afetividade, uma razão mesclada com o afetivo, uma racionalidade aberta).