quinta-feira, 8 de março de 2012

LAPIDARIUM

Comemoramos em 12 de fevereiro um ano de Casa Warat São Paulo. E hoje, 8 de março, além de comemorarmos o Dia Internacional de Luta das Mulheres, comemoramos 1 ano deste nosso blog!  Para lembrar tal data, publicaremos uma experiência, que consistiu na leitura de textos de Warat e produção individual em cima desses textos. Ao ler o produzido, é possível identificar muitas semelhanças, mas também o estilo de cada um, numa construção conjunta de significados e interpretações.

Esperamos que essa experiência se repita e que outros possam participar conosco dessa construção de entendimento. Ler, sentir, refletir, e escrever são processos fundamentais para o esclarecimento das ideias de Warat, bem como para o fortalecimento do Movimento Casa Warat.

Assim, atualizaremos a nossa programação com as próximas leituras e datas para envio de textos. Esperamos que todos participem a montar esse nosso Lapidarium[1], já que a realidade é um imenso Lapidarium, constituído somente de fragmentos. (Warat)

Os escritos têm base nos textos “Literasofia”, “Metáforas para a ciência, a arte e a subjetividade” e “La Cinesofia y su lado oscuro, de Luis Alberto Warat.

Boa leitura.


[1] Nas palavras de Luis Alberto Warat, em Literasofia: “Ou quiça neste mundo nosso, tão enorme, tão imenso e a vez cada dia mais caótico e difícil de abarcar, de ordenar tudo tenda para uma grande colagem, para um conjunto desalinhado de fragmentos, é dizer, precisamente, para um Lapidarium".





I

Sim. Permanecer com o olhar adâmico. Com o olhar de Adão no instante seguinte ao que mordeu a maça. Mas, para quê? Para exercer o direito de viver segundo as minhas próprias ilusões – e não segundo ilusões alheias, a mim impostas por quem perdeu a capacidade de começar.
Não, acho que não. Se a vida é fundada em ilusões, prefiro chamar a isto SONHO.
Sim, manter o olhar de Adão e poder começar, sempre. Mas para criar e recriar, inventar e reinventar, não as minhas ilusões, mas os meus sonhos. Aquilo que me move. E, movendo-me, mantém-me viva. Exercer o direito de sonhar e me tornar o Outro de alguém, para ajudá-lo a recomeçar e nele também despertar o desejo de sonhar. E sentir que esse Outro também me transforma e faz parte do meu processo interno de recriação, de reinvenção.
E, então, sonharemos juntos. Cada qual exercerá a sua autonomia para sonhar, e sonhará com a sua própria autonomia. Mas se tratará de uma autonomia compartilhada. E, paradoxalmente, esse compartilhamento é que constituirá a autonomia de cada um. E cada sonho compartilhado, ainda que não realizado, será uma revolução molecular que mostrará que o fundamento do sonho, não é ele próprio, ou a sua realização, mas a aquisição da capacidade de sonhar em conjunto! E, assim, será possível recomeçar sempre...

 II

Uma epistemologia aberta ao sonho. A estética para além da arte: para a vida!
A estética como a nova forma de olhar o mundo, ou melhor, de sentir-se no mundo. A nova forma afetuosa de afetar-se; a ética do cuidado, da compaixão e do compartir.
E então, o novo modo de existência, de ser-estar no mundo será: amo, logo existo.[1]


[1] Por Jaqueline Sena.





(Im)Pressões sobre a Modernidade[1]

A marca da modernidade está em instaurar a potência total da razão. Passamos a conceber o mundo de forma lógica, simétrica, numérica, concatenada, sistematizada, calculada. Esse mesmo olho-número se foca na estética, quando, no entanto, é essa estética que deve tomar o posto desse olhar teórico. Assim, a pintura, a literatura, o teatro, a dança, a escultura, a música e o cinema, em suma, a arte não pode ser excluída como possibilidade de conhecimento por seu non-sense,por sua falta de denotação, por sua suposta inverdade.
No entanto, distingo eu aqui duas artes: a primeira é a arte enquanto conceito, a segunda é a arte em suas manifestações/materialidades.
           Afirmar a validade epistemológica da arte é pretender iniciar a superação dos impasses da modernidade. Começar esse “caminho” é superar as aporias do método. Não se trata de um atalho, mas de uma exploração para além do já trilhado na modernidade. Inaugura-se uma cartografia: deixa-se para trás o solo firme e seguro do método para mergulhar na fluidez e inconsistência humanas.
         E esse novo começo está na arte, que se apresenta como uma epistemologia aberta ao sonho e à criatividade. Ela vem atravessa o vazio do corpo do sujeito moderno, sujeito este que se deixa de imaginar pleno, assumindo sua incompletude existencial. Como lidar com o que se é?
        Isso necessita duas assunções; A primeira: admitir nossa corporeidade – nosso ego é constituído por um corpus e não meramente o habita. Não há um ente abstrato que pensa, senão m sujeito corpóreo que imagina. A segunda: assumir a incompletude semântica da existência. A falta de um significado para o ser não constitui um entrave, mas sim a própria liberdade que tem de escolher o sentido que se quer dar. É assumir a “possibilidade de construir por si as ilusões próprias”[2], definição de autonomia dada por Luis Alberto Warat.
A arte injeta no vazio desse corpo, ainda que temporariamente, a possibilidade de uma significação. Possibilita ao sujeito tornar possível o discurso do outro e um diálogo com o outro sobre o mundo, descobrindo com ele diferentes modalidades eróticas, dialógicas, semânticas, sensíveis, que lhe permitam experiências de criação. A arte que não é criação não é arte.


[1] Por André Jorgetto de Almeida.
[2] WARAT, Luis Alberto. Territórios Desconhecidos, p. 20.




Quadros[1].

I
E como começar esse texto? Talvez fosse o único modo de iniciá-lo, com uma pergunta singela que me faz rever o início do texto, da folha de papel, do pulso piscante, de um novo despejar-se de si, de um novo amar. Tal renovação traz em si um medo inerente do não ajustar-se no Outro, no isolamento. Para mim, talvez, que carrego a herança do homem que quer saber de tudo, protegendo-se das ilusões do mundo, criadas por tantos outros que não ele.
Porque não criar nossas próprias ilusões, num construir conjunto de ideias cheias de completudes, partilhamentos, amor? Sem o medo do isolamento, mas com a esperança da compreensão, do se entender novamente, do renovar-se em si, do crescimento interior. Com a sensibilidade de que o Outro, também indivíduo sensível, pode ajudar na construção do novo e do recomeço.
Abram-se as portas das infinitas possibilidades.

II
Da colagem faço um novo eu. Faço um novo mundo feito de coisas fragmentadas, que juntas, se descobrem em novos significados, dando a possibilidade de renovação para aquele que já tinha se conformado com sua própria definição. Eu, papel de encarte, vou servir para encartar por toda minha vida, sendo eventualmente jogado no lixo, com sorte o reciclável. Eu, papel de encarte, com mais sorte sou atirado no bolso de uma menina que guarda outros papéis, os pica, os molda, os constrói, num novo objeto sem nome. Eu, ex-papel de encarte, agora de mãos dadas com meus colegas de objeto sem nome, prontos para uma nova renovação de sentido e sentimento.
Achei até o meu amor.

III
O mistério da vida é minha relação com o outro. O sentido da vida é minha relação com o outro. Logo, o sentido é igual a mistério. Então, o sentido da vida é o mistério do outro. Ou o mistério da vida é o sentido do outro. O sentido da vida não pode ser o sentido do outro. Mas o mistério da vida pode ser o mistério do outro? Ou o sentido da vida, o sentimento com o outro?

Metáforas com Sinestesia[2].
     E entramos na pós-modernidade apenas com mais uma definição de que todo o desconcerto se deve, como dizia Camões, ou seja lá quem for, ao fim das formas exatas nas quais o mundo se encubou, seja pela ciência racional e/ou pelo capitalismo. Se há descontinuidade e fragmentação (mesmo acreditando que estas sempre existiram e que a História é danada ao separar o mundo passado em fases homogêneas que nunca existiram de fato, já que os que contaram não estavam lá e eram só um, e não todos e estavam em só um lugar, e não em todos), estas se devem a um transbordar de Eu para fora da caixa.
     Explico: o homem, que apesar de nunca ter passado de um animal muito autointitulado, percebeu que não pode (mais) fugir de si mesmo, de seus instintos, vontades, desejos e subjetividade. E a Arte, o encontrar-se de si (com toda a redundância que essa frase possa conter), (re)aparece como protagonista numa revolução de individualidade. A Arte corrobora ao encontro do eu, completo e pulsante, que vai além da divisão racional de matérias, vai além da própria interdisciplinaridade, compondo, verdadeiramente, o ser humano. Um homem que seja, mesmo que um primata mais evoluído, animal, artista, racional, filósofo, sensível, criativo, numa construção verdadeira de mundo e indivíduo.
      Não seria, pois, o fim da ciência? Se esta for mais uma caixa dentro das empilhadas neste (novo) mundo fragmentado, talvez. Melhor dizer, então, que seria apenas uma revisão desta velha ciência, que agora pode se pautar em novas concepções menos racionais: A ciência do pensamento indisciplinado[3]. Mas se tudo não passa de nomes e num instante é permitido ousar, se denominássemos essa nova ciência de “instinto”, ou outro nome qualquer, nada mudaria. Seguimos, então, precisando de uma garantia encaixotadora (artificial) de que os conceitos e nomes mais concretados no eu não mudariam de dia para noite.
       Por fim, entendemos que não há mundo sem o relacionar-se com o outro. Do que seria a ciência sem o Outro? E o Direito? Não existiria o nosso mundo sem a vida em sociedade. E como melhorá-la/o (a sociedade e o Mundo)? Em redes sociais esquizofrênicas que dão mais palco para a construção de imagens representativas? Voltamos, portanto, ao encontrar-se do Eu para o encontro do Outro. Só assim deixaremos as máscaras inventadas para a construção de comunicações verdadeiras. Paro, porém, diante de tamanho desafio e penso que talvez não existíssemos se tal proposta um dia tivesse sido aplicada.


[1] Texto produzido por leitura ao Literasofia, de Luis Alberto Warat. Por Mariana Teresa Galvão.
[2] Texto produzido por leitura ao Metáforas para a ciência, a arte e a subjetividade, de Luis Alberto Warat. Por Mariana Teresa Galvão.
[3] Luis Alberto Warat. Metáforas para a ciência, a arte e subjetividade. p. 2.





I
Crise. É a consagração do progresso linear como destino inescapável o que queremos?
A cidade como espaço de encontro com o outro. Encontro de corpos e encontro de singularidades como fomento do coletivo. O fim das metanarrativas e a reorientação da subjetividade, libertada da objetividade significante que solapa a expressão autêntica da fantasia e do desejo. O potencial emancipatório do erótico como uma das vozes da polissemia de sentidos provocada pela redescoberta da subjetividade do observador. Ser que pensa, ser sente. Ser reconhecido, ser na solidariedade.
Tempo. Ponderação. A estética como novo marco epistemológico, para além do estetismo hedonista irrefletido que glorifica o corpo no momento instantâneo do gozo egóico. Um cabaret jamais será a fruição trivializada do simulacro de tempo das redes sociais.
Diria Warat: “relaciono-me com o outro, logo existo”. Nova lição para uma velha hermenêutica que pensa incluir excluindo. Cidade de muros ou cidade do nós? Ou como sair da velha mania do elogio da volta no toco?
Democracia, ética e Direitos Humanos e a necessidade de uma refundação que não se institucionalize, mas que seja permanente fonte de reinvenção, agora no tempo e na intensidade dos amores. A categoria diferença como não-categoria, para além das teses de uma universidade acostumada a louvar o onanismo do poder de um discurso vazio, autorreferenciado tal como Narciso.
O Direito como a Macondo de Garcia Marquez, o realismo fantástico dos ciganos nômades e a vida em sociedade antes da companhia bananeira.[1]


[1] Por Wilson Levy.



Quadros de Philip Taffe: Lapidarium; Cairene Window II; Constelltn Elephanta; Siraspatha.

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