segunda-feira, 9 de abril de 2012

"Ni-ni"




No dia 29 de março, na Espanha, os trabalhadores cruzaram os braços e, indignados, fizeram manifestações em mais de 100 cidades do país. Tal paralisação enfrenta as reformas trabalhistas propostas pelo primeiro-ministro, Mariano Rajoy. A Espanha é o país na zona do euro que tem a maior taxa de desemprego, que entre os jovens espanhois já ultrapassou o 50%.
O professor Javier de Lucas, catedrático de filosofia do direito e filosofia política do Instituto de Direitos Humanos da Universidade de Valência, chama os atuais jovens de geração “ni-ni”: ni emprego, ni perspectivas, ni nada. (http://www.estadao.com.br/noticias/suplementos,ni-presente-ni-futuro,858401,0.htm)
Mas, afinal, quais alternativas foram dadas à juventude no desenrolar destes últimos anos, marcados pela experiência do socialismo “real”, pela onda neoliberal nos anos 90, e pela globalização econômica capitalística? Não havia opção senão render-se à ditadura dos fatos: não há sonhos e desejos além do que está dado, circunscreva-se à realidade.
Essa “realidade” acabou por engloba(liza)r sob sua égide todas as outras alternativas: emprego-desemprego, desenvolvimento-subdesenvolvimento, vontade-necessidade, etc. No entanto, chamar esses binômios de “alternativas” é um uso imoral da retórica, pois, como se sabe, não há escolhas: o capitalismo é totalitário. No final, em vez de oferecer opções, acaba por minar qualquer seleção: nem emprego, nem desenvolvimento, nem vontade e, para a classe trabalhadora espanhola, nem direitos ou justiça.
Como não vivemos num mundo possível, temos a obrigação de sonhar alternativas. “O sonho (como poesia encantada) é um espaço de criatividade sem censuras: gestos, imagens, desejos sem vigias nem tiranias. É um modo de expressão vacinada contra o poder e os poderosos, contra a teia de aranha que forma, em um vendaval de imposições, medos e dependências, o homem resignado.” (Luis Alberto Warat, Manifesto do Surrealismo Jurídico)
O sonho traz consigo seu elemento essencial: o desejo. O sonho sem o desejo se aproxima dos produtos oferecidos pelo mercado como o café sem cafeína, a cerveja sem álcool, o refrigerante sem calorias. Esses produtos estimulam os sentidos com o plus de não oferecerem riscos ao consumidor e sua saúde. Ao mesmo tempo que proporcionam uma satisfação sensorial, esses produtos des-substanciados eximem o consumidor da responsabilidade e do ônus pelo seu uso. É uma ingestão sem efeitos. Um sonho sem desejo é a mesma coisa: ele é inconsequente.
        Nesse sentido, o sonho desejante vem para re-signar a juventude resignada. Vem injetar uma semântica na juventude, que desde seu início se faz ruínas, pois seu material é o efêmero, o fugidio, o transitório. O caráter arruinado da juventude é a prova de que um dia ela foi animada por uma estranha instabilidade, um desejo contra-hegemônico que nunca morre por completo, que retira de algum lugar estranho a força de resistir ora mais, ora menos.

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